Audiência no Senado para discutir fraudes no pescado vira tratado sobre o setor
Abipesca cobra do Mapa adoção de reinspeção de produtos congelados em estabelecimentos com SIF de pescado
27 de outubro de 2016
Nem Renan Calheiros, nem Carmen Lúcia. Nesta quinta-feira, 27/10, o foco das atenções no Senado Federal foi a indústria do pescado, pelo menos aos interessados no segmento. Uma audiência pública convocada pela presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, a senadora gaúcha Ana Amélia (PP), reuniu representantes de diversas autarquias e órgãos governamentais com ingerência sobre o processamento de pescado, além da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca).
O objetivo foi discutir a necessidade de reinspeção de pescado importado em indústria registrada no Serviço de Inspeção Federal (SIF), mas com as perguntas dos convidados e da população, a discussão acabou tratando sobre diversas outras questões, como os entraves para o desenvolvimento da pesca e da aquicultura no País, a importação de camarão e barreiras à expansão do consumo de pescado.
Christiano Lobo, responsável pelo escritório da Abipesca em Brasília (DF), indica que o objetivo era apresentar ao Mapa a necessidade de se fazer a reinspeção do pescado resfriado e congelado apenas em estabelecimentos registrados no Serviço de Inspeção Federal (SIF) para operar com pescado. "Hoje a reinspeção é permitida em qualquer Estabelecimento Relacionado (ER) do Mapa, pode ser uma casa atacadista ou um armazém que importe de pneu a pescado", frisa.
A medida beneficiaria diretamente os 11 associados da entidade (Bom Peixe, Frescatto Company, Frigoind, Frumar, Qualimar, Netuno Noronha, Komdelli, Pioneira da Costa, Prime e Valle D'Oro), que miram nos ERs que operam com pequenas traders capazes de movimentar grandes volumes de pescado e também nos supermercados que importam diretamente. "A nossa proposta é que o Mapa restrinja a reinspeção somente em estabelecimentos de pescado, por ter fiscal preparado e conhecedor do pescado, inibir fraudes, seja ela por adição de aditivos químicos ou eventualmente a fraude econômica por glaciamento."
Na prática, se adotada, a medida estenderia ao pescado resfriado e congelado os mesmos efeitos do Memorando-Circular nº 16/2016/CGI/DIPOA/SDA/GM/MAPA, de 7 de março de 2016, que suspendeu temporariamente os procedimentos de reinspeção de pescado fresco importado em estabelecimentos relacionados (ER) e em estabelecimentos registrados (SIF) que não sejam classificados como entreposto de pescado ou fábrica de conserva de pescado, até a finalização da revisão da Portaria nº 183/98.
Discussão sobre fraudes pautou audiência
Eduardo Lobo, vice-presidente da Abipesca, fez uma apresentação em que cobrou isonomia na matéria-prima importada e a produzida nacionalmente. "Estamos atravessando um momento de muita dificuldade, pois estamos sofrendo a competição desleal com o produto importado, sofrendo com a fiscalização onde não há isonomia em relação à indústria nacional", disse.
Ele defendeu que a Abipesca não é contra o pescado importado, até porque muitas de suas indústrias são importadoras, mas que a dificuldade de fiscalização sobre os ERs alimenta a fraude no Brasil. "São 5000 estabelecimentos relacionados que podem fazer reinspeção. É humanamente impossível que o Mapa, que já tem feito muito, fiscalize todos estes estabelecimentos."
José Luis Ravagnani Vargas, diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa/Mapa), detalhou as mudanças que o órgão realizou recentemente para intensificar a fiscalização. "Criamos um procedimento de alerta de importação. Toda empresa exportadora pega com qualquer tipo de adulteração só é liberada após 10 lotes serem avaliados. Fizemos também um piloto em 2015 para determinar a inspeção nos postos de entrada com base em risco", diz. São 25 pontos de entrada de produtos de origem animal importados.
Ravagnani defende a atuação do Mapa, mas também cobra responsabilidade das próprias indústrias. "O importador tem uma responsabilidade muito grande porque sabe o que está comprando e tem a responsabilidade de avaliar o que ele importou, que é muito maior da indústria que coloca isso ao consumidor", sublinha. Sobre a reinspeção, ele disse que o Mapa já adotou a medida para produtos frescos, mas não garantiu que fará o mesmo com produto congelado - pleito da Abipesca.
De acordo com Eduardo Ono, presidente da Comissão Nacional de Aquicultura da CNA, a aquicultura também tem sofrido muito com a competição desleal. Ele concordo com a reinspeção do pescado importado "para sanar problemas de fraude e saúde pública", mas advertiu que é preciso atentar também para troca de espécies e a incorporação de água e aditivos químicos. "O problema do peso não é só no glaciamento, mas o oversoaking (superencharcado). É uma prática que se utiliza em muitos países, principalmente da água, por imersão para facilitar a entrada da água no filé."
Na prática, disse ele, se temos produtos com 20% e 30% de glaciamento e 20% a 30% de soaking, temos produtos que podem ter 50% de água não natural. "E estes produtos de oversoaking podem ter uma concentração de mais de 50% de sódio normal". Neste momento, a senadora Ana Amélia cunhou a frase: "antes dizíamos que estávamos comprando gato por lebre, agora é água por peixe".
Em sua manifestação, Claudia Darbelly Cavalieri de Moraes, gerente de fiscalização e inspeção de alimentos da Anvisa, manifestou sua preocupação com a incorporação de água. "Me preocuparam muito os percentuais citados porque trazem um risco muito grande à população. Uma aproximação de vocês conosco seria muito interessante e tem sim como monitorarmos esta questão", disse, dirigindo-se a Lobo e a Ono.
Questionado sobre o fato de o RIISPOA, que determina medidas como a adoção do pH de 6,8 para pescado fresco e congelado, ser antigo (1952), Ravagnani defendeu o regulamento. "Nem sempre por ser antigo ele é velho. Ele está sendo revisado, já sofreu 9 alterações na sua história, não é desatualizado. O pH está determinado para pescado fresco em 6,8. Associado ao ph temos o bvt, um indicador de deterioração de pescado. O pH se aplica também ao pescado congelado. Temos feito inúmeros estudos em laboratórios em SC e no Pará que demonstram que este resultado está correto." Ele admitiu uma flexibilização no caso da merluza, em que se aceita pH até 7 "porque a bioquímica da espécie nos demonstra que uma merluza (e os grupos da merluza) até 7 são bons para consumo também."
O ex-ministro da Aquicultura e Pesca, Altemir Gregolin, ressaltou o papel da importação no aumento do consumo nacional, mas fez um pedido direto ao Mapa. "Me preocupa muito a importação de tilápia da China. É uma questão de reciprocidade, eles comprariam mais suínos e aves desde que exportem tilápia ao Brasil. Eu espero que o Mapa não autorize a importação de tilápia da China."
Thiago de Luca, um dos diretores da Abipesca e da Frescatto Company, disse que a indústria nacional está "em frangalhos por conta da concorrência desleal."É muito difícil que as empresas sérias que importam corretamente sigam em pé se têm uma concorrência que afunda a qualidade dos produtos e não se consegue fazer nada de diferente nem de melhor porque você tem uma concorrência predatória." De Luca reiterou que o empresário nacional quer isonomia.
Já no fim da audiência, Estevam Martins, representando o Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura (Conepe), manifestou concordância com o pleito da Abipesca sobre a reinspeção.
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Crédito da Foto: Mariana Bertelli (Myleus Biotenologia)
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