Brasil será uma potência mundial de pescado quando superar 2 milhões de toneladas, diz consultor da FAO

Brasil será uma potência mundial de pescado quando superar 2 milhões de toneladas, diz consultor da FAO

Unificação setorial, aumento da competitividade e fortalecimento institucional são chaves para a expansão da presença internacional do pescado

26 de março de 2018

Nossa competitividade no pescado é tema de discussões há muitos anos, mas o fato é que apesar de tantos diagnósticos ainda seguimos com a balança comercial deficitária. O consultor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (Seap) Rui Donizete Teixeira é autor de um estudo específico sobre o tema para a FAO/Seap e discorre a respeito na entrevista abaixo.

Já concluído e entregue à FAO e à Seap, o trabalho de Teixeira consistiu em duas fases:

1.       O diagnóstico da situação da aquicultura brasileira em todas as fases (setor primário, de transformação, de comercialização e institucional) e inclusive evidenciando as deficiências que tem influenciado nesta relação com a competitividade; também um diagnóstico de inovações tecnológicas que estão sendo utilizadas, mesmo que de forma isoladas, que possam influenciar em melhorias.; e

2.       Propor ações que o governo possa utilizar como politicas públicas para melhorar a competitividade do pescado oriundo da aquicultura. Neste contexto elaborou-se uma proposta de ação conjunta (público/privada) por meio de um “Programa Nacional de Melhoria da Competitividade do Pescado Oriundo da Aquicultura”.

Rui Donizete Teixeira Portrait nov2017 Fenacam_peq

A lenta ascensão das exportações é um dos assuntos da reportagem de Capa da próxima edição da Seafood Brasil, cuja distribuição se iniciou nesta segunda-feira (26/03). A entrevista abaixo é uma prévia do assunto e complementa os assuntos abordados.

1)            No Brasil, as exportações de pescado não saem de US$ 200 milhões há cinco anos e nossa balança comercial é deficitária em mais de US$ 1 bilhão. Isso mostra que nossa produção claramente não dá conta do consumo interno. Diante deste cenário, você acredita que haja disposição do setor privado para produzir com vistas à exportação, considerando todos os desafios que isto representa?              

Observa-se que a maioria do setor aquícola está focada no mercado interno, em parte porque geralmente conseguem escoar toda a sua produção e ficam em uma zona de conforto. Existe uma visão distorcida, principalmente por pequenos e médios aquicultores, de que exportar é uma coisa muita distante para ele, que é difícil, e que só é possível para aqueles que possuem grande volume.

E o resultado é o baixo número de empresários que participam de feiras internacionais. Ironicamente isso impede que o pescado brasileiro seja mais conhecido no mercado internacional.

Outro fato é que, entre os que sondam o mercado externo, parte desiste pelo preço inferior ao que o mercado interno paga, o que fica evidente no caso do camarão brasileiro. Argumentam que o dólar está baixo e que, assim, não compensar financeiramente exportar. No entanto muitos não percebem que o único caminho é atacar os custos de produção e de transformação, além de tornarem-se mais eficientes com maior implantação de inovações tecnológicas, com agregação de valor e promoverem exportações conjuntas/coletivas.

Portanto a disposição dos empresários para exportar é muito modesta e agravada por essas distorções relatadas acima.

 

2) Que benefícios pode trazer ao setor a participação do Brasil como player relevante no cenário mundial de pescado?  

Tem-se observado que as exportações promove um melhor equilíbrio no mercado interno. Seja por aquele princípio “nunca coloque todas as laranjas no mesmo cesto”, ou seja, é perigoso depender de apenas um mercado. Às vezes o mercado externo está melhor e mercado interno ruim, ou vice-versa, um dá equilíbrio ao outro.

Nenhuma cadeia produtiva tem conseguido sobressair e ampliar se não viabilizar exportações. Neste caso, temos um efeito “Tostines” (publicidade da década de 80, que gerava uma dúvida saudável ao consumidor: ‘Tostines vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais?). Nesta analogia, pode-se dizer que a baixa competitividade tem dificultado as exportações, impedindo inclusive que as empresas ampliarem seu negócio. Ironicamente, a ampliação das exportações promoveria, por aumento de volume, queda nos custos de produção, retroalimentando as exportações.

Outro fator já comprovado mundialmente: a cada US$ 1 milhão exportado o País gera “milhares de empregos”. Considerando o atual quadro de desemprego do País, seria de bom alvitre que o governo priorizasse esta frágil, mas emergente cadeia produtiva que ainda pode gerar, em pouco tempo, superávit para o Brasil.

3) Na sua visão, a partir de que ponto o Brasil seria considerado uma potência exportadora no ramo de pescado?

Considerando que o aumento de produção de pescado virá da aquicultura, pois a pesca está no seu limite, o Brasil se tornará uma potência mundial do pescado quando superar volumes de produção acima de 2 milhões de toneladas/ano. Pois 1 milhão atenderia o mercado interno e poderia exportar o “excedente”. Este me parece ser o “ponto de equilíbrio de status” para entrar neste seleto grupo de maiores países produtores e exportadores de pescado.

4) O que precisa ser feito nos âmbitos da produção, atuação governamental, organização da cadeia produtiva, representatividade institucional etc, para que o País alcance este objetivo?

DO GOVERNO:

- facilitar a regularização dos produtores;

- facilitar a aquisição, inclusive a importação, de equipamentos, com incentivo de isenção de impostos como IPI/ICMS para modernização dos cultivos (aeradores, alimentadores automáticos, despescas automatizadas), e para modernização do parque industrial de pescado (equipamentos automatizados, ...);

- absorção de inovações tecnológicas para novos produtos com maior agregação de valor;

- estabelecer indicadores geográficos para valorizar regionalmente os produtos;

- promover uma maior aceleração na geração e implementação de inovações tecnológicas (Ex: Embrapa Aquicultura obter mais recursos); e

- promoção de missões de empresários em feiras internacionais específicas de pescado. E auxiliar a abertura de mercados em outros países.

DO SETOR PRODUTIVO:

- consolidar, fortalecer e unificar as entidades representativas. Urge a necessidade de uma entidade nacional que represente todas as outras e, assim, permita ser mais ouvida pelo governo, ter influência nas políticas públicas do para o setor. Fato é que, isoladamente, as entidades representativas são fragilizadas e não conseguem alcançar seus objetivos. A palavra é a Unificação;

- Promover benchmarking, com missões técnicas estratégicas em alguns países referenciais, para absorção de novas tecnologias e, de imediato, adaptá-las ao setor produtivo nacional. Promover juntamente com o governo o branding, que seria a promoção do produto e do País no mercado internacional, visando associar o Brasil a um dos principais “celeiros” de pescado com qualidade do mundo.

5) Na sua apresentação na Fenacam passada, em novembro de 2017, ficou claro que a competitividade do Brasil no exterior não deve ser buscada apenas pelo parâmetro do preço. O que mais deve ser buscado?

O fato de produzir dentro de regras rigorosas ambientais e, por possuir regiões distintas de produção, criam condições favoráveis a uma produção mais sustentável, com melhor aproveitamento racional dos recursos naturais, incluso insumos, além de possibilitar obter indicações geográficas. Isto resulta em produtos diferenciados, o que auxiliará consideravelmente a imagem do produto e do País. São vantagens comparativas junto aos concorrentes no mercado internacional.

6) O que a experiência de (1) outras cadeias produtivas no Brasil e (2)outros países no pescado nos ensinam no que diz respeito à capacitação para se tornar a potência exportadora que todos esperam?     

1)            CADEIAS PRODUTIVAS DE SUCESSO COMO AVICULTURA E SUINOCULTURA

Coincidência ou não, o sucesso das grandes cadeias produtivas de proteína animal do Brasil, como avicultura e suinocultura, teve um período de consolidação. Destaca-se que os principais produtores são empresas/cooperativas âncoras com sistema de integração. Este fator tem uma característica interessante, pois promove a especialização com alta tecnificação. Isto torna o produtor muito mais eficiente na produção, diminuindo consideravelmente os custos e, ao disponibilizar uma proteína mais barata, amplia o leque de aquisição.

Interessante é que ambas as cadeias possuem características vitais para a obtenção deste sucesso: profissionalismo, inovação tecnológica contínua, benchmarking, branding, apoio e incentivos do governo; e um fator interessante: um espírito coletivo (setor produtivo) de ações conjuntas entre as empresas com o governo.

2)            SETOR AQUÍCOLA INTERNACIONAL -  exemplo de sucesso

Na salmonicultura chilena houve também uma participação efetiva e conjunta do governo e setor privado. A ação governamental fundamental foi disponibilizar pacote tecnológico de produção. A influência de empresas multinacionais com expertise em seus países de origem, com implementação de ferramentas de gestão e absorção de tecnologias, também foi positiva. Estas permitiram um upgrade que acelerou o processo de maturação e profissionalização do setor. Como resultado, tornaram o salmão chileno altamente competitivo no mercado mundial, o que ampliou exponencialmente o consumo de salmão no mundo.

Creio que os fatos relatados demonstram que sozinho um setor não consegue avançar. A aquicultura brasileira é ainda um adolescente e por isso precisa de uma atenção especial do governo. Mas ironicamente hoje o setor do governo que representa esta atividade, está encolhido em uma secretaria, com responsabilidade e demandas de Ministério, mas lamentavelmente possui menos servidores que qualquer departamento do governo.

Pode-se concluir que é preciso que o governo reveja esta situação e tome uma posição, se realmente pretende acabar com este vergonhoso déficit da balança comercial de mais de US$ 1 bilhão ao ano.  O governo deve responder ao setor e à sociedade, de maneira clara e objetiva, se está disposto a priorizar ações a esta cadeia produtiva e estabelecer ações de forma conjunta, com a participação efetiva do setor privado.

competitividade no pescado, exportações de pescado, FAO/ONU, pescado brasileiro, Rui Donizete Teixeira, Seap

 
publicidade 980x90 bares
 

Notícias do Pescado

 

 

 
SeafoodBrasil 2019(c) todos os direitos reservados. Desenvolvido por BR3