A relação do pescado com os chefs (e gestores) na escola
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A relação do pescado com os chefs (e gestores) na escola

Falta de contato dos alunos com o pescado é um dos principais desafios na formação de trabalhadores nas cozinhas especializadas

06 de junho de 2023

As provas mais decisivas dos inúmeros reality shows de gastronomia disponíveis na TV e na web normalmente têm um ponto em comum: de Gordon Ramsay a Erick Jacquin, todos os jurados renomados gostam de colocar os participantes em maus bocados, cozinhando pratos com algum ingrediente aquático. Pressionados pelo tempo, pelas câmeras e pelo furor dos chefs/personalidades/jurados, os cozinheiros muitas vezes se perdem na falta de intimidade na manipulação e cocção das inúmeras espécies de peixes, crustáceos e moluscos disponíveis.
 
Muitos chefs da vida real, que ocupam as cozinhas de todo o planeta sem o glamour das transmissões, também sentem um frio na barriga quando o prato é com pescado. Os professores e coordenadores de cursos diversos consultados pela Seafood Brasil indicam que o problema não é necessariamente de ordem técnica.
 
O Le Cordon Bleu Brasil, cujos cursos têm módulos que ultrapassam R$ 20 mil, tem alunos que apresentam pouco contato com o tema, como conta o chef e professor francês Alain Uzan. “A maior parte não sabe mexer [com pescado], mas estamos aqui para ensinar. Tem quem gosta e quem não gosta, mas todos sabem que precisam desse repertório na cozinha. Nós ensinamos as técnicas para qualquer tipo de produto, desde uma sardinha até um pirarucu de 30 kg.” 
 
Mesmo a gastronomia japonesa, a principal porta de entrada para o consumo de pescado nos restaurantes brasileiros, enfrenta a barreira da falta de intimidade dos trabalhadores com as matérias-primas aquáticas. Não apenas no preparo dos pratos, mas na recepção e conservação dos produtos.
 
“Profissionais de cidades do interior mais afastadas têm muita necessidade de manter o peixe por mais dias, já que não têm muita rotatividade de entregas, mas não conseguem fazer isso mantendo a qualidade”, sublinha Nanci Kawahito, professora da Nagoya Sushi School. O impacto é direto no consumo: ”Eu já ouvi gente dizendo que não gosta muito de sushi porque provou e sentiu que não era bom.” Afinal, peixe vencido nem um niguiri salva.
 
Outro fator complicador é a resistência de alguns cozinheiros no aprendizado de novas técnicas. “Já tive alunos que recebem o curso do restaurante em que trabalham e não aceitam executar as técnicas avançadas, porque acreditam que as que eles próprios desenvolveram são melhores”, diz Kawahito. A Nagoya é a única escola credenciada e representante da World Sushi Skills Institute (WSSI) e a All Japan Sushi Skills Institute (AJSA), única associação de sushi credenciada pelo governo japonês. Mas ainda assim, há profissionais que preferem apostar nos próprios conhecimentos empíricos para se diferenciarem.
 
A situação se torna mais complexa quando os alunos não têm qualquer formação além da prática e não conseguem arcar com o investimento necessário para nivelar o conhecimento com o que se faz no mercado. Pensando em contornar a situação, a Gastronomia Periférica foi fundada há cinco anos com o intuito de oferecer cursos gratuitos para formar cozinheiras e cozinheiros oriundos das periferias do Brasil.
 
Hoje, já são 20 Estados brasileiros atendidos, além de mil alunos formados dentro do curso de gastronomia e, só em 2022, a escola formou cerca de 300 cozinheiros e empreendedores. Conforme detalha a sócia fundadora, Adélia Rodrigues, o maior incômodo desde a origem do projeto era justamente a falta de formação de quem já trabalhava na cozinha, ao passo que outras pessoas com formação não necessariamente eram bons cozinheiros.
 
Neste processo dicotômico, acharam um objetivo específico. “A principal bandeira é o combate ao desperdício. Se olharmos para a periferia, estão lá as cozinheiras que ocupam todas as cozinhas. Se elas tiverem acesso à informação [de redução de desperdício] e fizer sentido para elas que dá para aproveitar a cabeça e a cauda para fazer um fundo, por exemplo, conseguimos modificar de fato os restaurantes, não só pelo convencimento do dono.” 
 
Não por acaso, a maior parte dos alunos formados pela escola é de mulheres. “É por uma escolha nossa, mas também por um retrato social. Quem pensa em fazer os cursos é a mulher que não teve oportunidade, fez outras escolhas, principalmente familiares e, através de um curso totalmente gratuito, ela poderá olhar para a própria formação.”
 
Para o chef Édson Leite, também sócio fundador da Gastronomia Periférica, não é correto dizer que uma cidadã ou cidadão
periférico não têm interesse no pescado porque não têm contato. “Em um monte de quebradas tem restaurante japonês e todo mundo sabe o que é um salmão ou camarão. O desejo de ir a estes locais é real. Nas redes de supermercado da periferia, por exemplo, vende-se mais pescado do que carne de porco.”
 
Leia a matéria em "Na Cozinha, na Seafood Brasil #48. Clique aqui.
 
Créditos: Le Cordon Bleu Brasil
 
 
 
 
 

Adélia Rodrigues, Alain Uzan, Édson Leite, Gastronomia Periférica, Le Cordon Bleu Brasil, Nanci Kawahito

 
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