Um olhar realista para o cenário atual e o futuro da pesca da Lagosta
Lobo defende que setor da lagosta do Brasil tem a possibilidade de ser exemplo em uso responsável do recurso pesqueiro
Eduardo Lobo - 15 de julho de 2021
“Le brésil n`est un pays serieux”. Essa frase do general e presidente francês, Charles de Gaulle, é o que resume o que ficou conhecido como “Guerra da Lagosta”. Uma “guerra” diplomática que quase chegou às vias de fato em 1963 e muito bem descrita no livro de Cláudio da Costa Braga.
Muitas décadas depois, ainda se busca um retrato fundamentado desse crustáceo como parte constitutiva dos recursos naturais brasileiros. A pesca da lagosta (Panulirus spp.) no Brasil deve ser observada sob três óticas: a econômica, social e a ambiental.
Sob a ótica econômica…
As lagostas são o pescado de maior valor mundial e de grande impacto econômico nacional a nível de exportação, já que no contexto da indústria alimentícia se evidencia através dos dados, representando 30% do total do pescado enviado ao exterior. Segundo dados estatísticos da balança comercial Comex Stat, em 2019 as exportações de produtos de lagostas atingiram 6.054 toneladas e 92,46 milhões de dólares.
A qualidade agregada a este produto processado sempre deixou a desejar, sendo classificado no mercado internacional como de qualidade inferior e comprado as lagostas australianas. Longos períodos de pescaria e pouco cuidado no processamento e armazenamento nas embarcações, sempre foram nosso maior gargalo.
Para se livrar desse estigma, a partir de 2016, a visão de alguns empresários criou uma transformação na atividade, pela exigência de que a lagosta fosse trazida ainda viva até as indústrias, e só assim, seguir para a linha de processamento.
O produto passou a exigir maior cuidado na pescaria e maiores gastos na embarcação, transformando as antigas urnas em viveiros, mas todo este investimento e cuidado se justificam quando vemos o aumento do valor agregado.
Atualmente, as 12 indústrias e seus mais de 3000 colaboradores, são a mola propulsora para que pescadores saiam ao mar em busca de sustento e melhora na qualidade de vida de suas famílias, absorvem cerca de 95% de toda a produção que chega em tamanho comercial nas praias.
Assim sendo, a cumplicidade entre as indústrias de pesca e a classe pesqueira, sob a supervisão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), conseguiu elevar de vez a qualidade de nossa lagosta.
Com plantas certificadas pelo Mapa e padrões internacionais de qualidade, pescadores e empresas atuam diretamente na melhoria do pescado, transportado, processado e ofertado no mercado nacional e exterior.
Essa tendência internacional, é reflexo de algo muito maior que vem acontecendo com o mercado consumidor: cada vez mais, as pessoas procuram produtos de boa qualidade, de fornecedores que se preocupam com sustentabilidade, rastreabilidade e produtos frescos. Produtos vivos são a excelência em qualidade. É um caminho sem volta e pra melhor!
Sob a ótica social…
A pesca da lagosta tem um histórico tradicional e reflete a cultura de muitas comunidades do litoral do Brasil. A rigor, até o episódio conhecido como “A Guerra das Lagosta”, o Brasil nunca havia exportado lagostas (ou: a exportação de lagostas do Brasil era incipiente) nem havia estatísticas a respeito da produção ou quaisquer estudos do potencial do recurso.
Porém, uma vez que o Brasil abriu os olhos para esta riqueza, cada vez mais a pesca de lagostas foi se firmando e tomando vulto.
Apesar de já ter indústrias e segmentos comerciais específicos dedicados a ela, nossa frota é antiga e basicamente artesanal.
Sob a ótica ambiental…
A pesca de lagosta é uma pesca fechada. Significa dizer que o número de embarcações registrados nesta arte é restrito e controlado. Desde o século XX não é emitida nenhuma admissão/licenciamento de nova embarcação para atuar nesta modalidade.
O Brasil atualmente possui o maior período de defeso da lagosta espinhosa do mundo, que é de 180 dias, sendo atualmente aplicado entre os meses de dezembro a maio.
Dados de uma revisão sobre reconstrução de estoque das lagostas publicada por Raúl Cruz em 2020, dão provas de uma diminuição da pressão de pesca nos estoques de lagosta e foi observada uma tendência de recuperação durante o período 2012-2019.
Segundo o autor, essa recuperação do estoque é reflexo das restrições pelo tamanho de captura e pela aplicação do defeso.
De acordo com o histórico das exportações de lagostas brasileiras, no período 2012-2019, o volume tem mostrado uma tendência de estabilidade. As flutuações anuais devem ser olhadas de forma mais abrangente e fatores como as mudanças climáticas, El Niño e La Niña deveriam ter atenção nas próximas pesquisas.
O rigor no controle das exportações, fornecido pelas grandes indústrias e monitorado pelos órgãos fiscalizadores, pode ser estendido ao restante da produção que chega às praias e acaba sendo comercializada informalmente, muitas vezes, sem respeitar os tamanhos de captura e período de defeso.
O Brasil não realiza a estatística pesqueira há mais de 10 anos e a ausência de dados impossibilita qualquer forma de elaboração e adição de políticas públicas. Precisamos estudar NOSSAS lagostas!
O estado do estoque pesqueiro é altamente dependente de sua gestão e somente através de um estudo detalhado, com informações mais robustas sobre o monitoramento de todo ciclo de vida, características biológicas em ambiente natural, envolvimento dos pescadores e suas valiosas informações e visões práticas e monitoramento de desembarques, pode informar aos gestores da pesca, medidas para regulamentação dos estoques na próxima década.
Esse mar é meu!
O momento é propício para união de esforços, aproveitar o boom onde a indústria da pesca da lagosta no Brasil se mostra sadia financeiramente e disposta a apoiar um programa de monitoramento do estoque pesqueiro e melhorar definitivamente o rumo dessa atividade no País, levantando dados, produzindo estatísticas e estudos realmente específicos das NOSSAS lagostas, nas NOSSAS águas e leito marinho.
O setor da lagosta do Brasil tem a possibilidade de ser exemplo em uso responsável do recurso pesqueiro, atuando com uma rede na geração de dados, mostrando sua força econômica e atuando de forma sustentável. Assim, certamente, se Charles de Gaulle estivesse vivo, diria: “Oui, le Brésil est un pays sérieux”.
Créditos: Orazio Foti por Pixabay
Sobre Eduardo Lobo
- Eduardo Lobo é presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca)