ENTREVISTA: Como a IA está transformando a indústria de pescado?
Em 5 perguntas, Gustavo Donato, especialista em Inteligência Artificial, conta o por que a IA é o caminho de toda empresa
21 de março de 2025
O meio cinematográfico sempre nos ajudou a imaginar como seria o futuro. Nesse cenário, duas obras marcaram definitivamente a cultura pop: De Volta para o Futuro 2 (1989) e Matrix (1999). Com 10 anos de diferença entre um e outro, ambos os filmes mostraram, de formas distintas, como a tecnologia influenciaria nossas vidas no futuro. E algo que existia nesses longas-metragens não pode mais ser considerado uma "viagem hollywoodiana": a Inteligência Artificial (IA).
Não precisamos ir ao futuro para ver que hoje, a IA ocupa várias áreas de nossas vidas e é uma aliada poderosa para negócios que desejam otimizar sua produção e resultados. Atento a esses benefícios, o mercado de pescado tem olhado cada vez mais com atenção para a IA. Prova disso é que o tema foi profundamente abordado na Seafood Show Latin America (SSLA) 2024, na palestra de Gustavo Donato, professor da Fundação Dom Cabral e especialista em IA.
Engenheiro pela FEI, com MBA pela FGV, doutorado em Engenharia pela POLI/USP, formação executiva pelo MIT e pelo Copenhagen Institute for Futures Studies, Donato liderou mais de 85 projetos de PD&I e estratégia com empresas, além de ser autor de mais de 140 artigos, capítulos de livros ou patentes. Hoje, além de ser professor, ele atua como palestrante, abordando o uso da IA para expandir a competitividade na indústria e no varejo, conhecimento que o levou não só à SSLA do ano passado, mas também o trouxe para ser o entrevistado desta edição.
Apesar de ainda não termos carros voadores ou formas de aprender qualquer coisa em segundos, como já vimos no cinema, o professor Donato desmistifica temas relacionados à IA e explica como ela é a realidade que vai influenciar positivamente qualquer empresa do mercado de pescado que deseja transformar o futuro em seu novo presente.
1) Atualmente, quando pensamos em Inteligência Artificial (IA), existe uma impressão muito grande de que ela começou (ou é somente) com o ChatGPT. É certo pensar desta maneira?De fato, as pessoas têm a impressão de que a inteligência artificial começou com o ChatGPT ou outros algoritmos e sistemas similares, mas isso não é verdade: ela vem sendo estudada desde as décadas de 1940 e 1950, envolvendo diversas técnicas que já utilizamos na prática cotidiana, tanto em empresas quanto em nossas vidas há muitas décadas. Embora seja algo que nos acompanha há muito tempo, a inteligência artificial tem ganhado escala, refinamento e uma complexidade significativamente maior nos últimos 5 a 10 anos.
A IA é um campo da ciência da computação que se combina com áreas como a neurociência e que se baseia fortemente em estatísticas. O objetivo dela é desenvolver sistemas capazes de realizar tarefas que normalmente exigiriam competências humanas.
A confusão com o ChatGPT acontece porque foi a primeira vez que uma ferramenta dessa natureza ficou disponível de maneira prática, permitindo a interação direta com as pessoas. Porém, dá para dizer que a IA já é uma realidade em nossas vidas em aplicativos de smartphones como o Waze, Uber e Spotify, além da personalização de conteúdo, como sugestões de filmes, publicidade direcionada e até na detecção de fraudes bancárias. Ou seja, a IA é um campo vasto e extremamente impactante, tanto para a eficiência das corporações quanto para a conveniência do nosso dia a dia.
2) Em sua palestra na Seafood Show Latin America, você citou que a tecnologia é um meio para um fim. O que é necessário para uma empresa, em específico da indústria de pescado, adotar uma IA e como o setor pode se beneficiar dessa tecnologia?Nas palestras, costumo dizer que a tecnologia deve ser vista como um meio, e não como um fim. O fim precisa ser o objetivo do negócio: a geração de valor e a entrega que a tecnologia pode proporcionar, seja em ganho de eficiência operacional, melhoria da experiência do cliente, qualidade do produto ou desenvolvimento das pessoas, entre outros aspectos.
Para que uma empresa utilize a IA de maneira responsável, o primeiro passo é avaliar se possui uma cultura orientada por dados (data-driven) e se ela está preparada para adotar essa mudança de mentalidade. Além disso, é fundamental que a empresa tenha dados sendo coletados, organizados e disponíveis, pois eles são o "alimento" da IA - não adianta falar em IA sem antes construir uma base sólida de dados e inteligência analítica, envolvendo estatística descritiva e multivariada. Por fim, é essencial investir na capacitação das pessoas, que são parte fundamental nesse contexto.
Na indústria de pescado, vejo muitas oportunidades. Desde a pesca de precisão, que utiliza sensores e visão computacional para identificar espécies, reduzir capturas indesejadas e aumentar a eficiência operacional, até o monitoramento da qualidade do pescado, o dimensionamento de peixes, o controle de estoques e a otimização da cadeia de suprimentos. Já na aquicultura, onde o grau de controle é ainda maior, a IA pode otimizar a alimentação dos peixes, monitorar a saúde em tempo real, gerenciar tanques, reduzir custos e, naturalmente, aumentar a produtividade de forma expressiva.
3) Quais são os principais desafios técnicos, operacionais, regulatórios e de segurança de dados na implementação da IA na indústria do pescado? Que medidas podem ser tomadas para superá-los e quais os principais cuidados que uma empresa deve ter ao adotar um IA?Em relação aos desafios técnicos e operacionais, destacaria a necessidade de contar com pessoas capacitadas, não apenas para desenvolver um roadmap de implementação técnico, mas que também esteja conectado aos objetivos de negócio. O foco deve estar na eficiência operacional, no aumento da produtividade, na melhoria da qualidade do produto, e, por exemplo, na mensuração da engorda dos animais.
Do ponto de vista regulatório, é essencial respeitar as questões relacionadas à proteção de dados, especialmente quando envolvem clientes, parceiros, fornecedores e colaboradores. Isso exige muito cuidado com a segurança da informação, não apenas para atender à LGPD, mas também para lidar com a crescente preocupação em relação à proteção de dados sensíveis e à prevenção de invasões de sistemas. Nesse contexto, o uso de tecnologias em nuvem com certificações adequadas torna-se indispensável.
Além disso, é fundamental que as empresas desenvolvam políticas claras de governança de dados e de governança para a implementação de IA, que por sua vez, devem ser conduzidas pela alta gestão e, quando aplicável, em parceria com conselhos administrativos, com o suporte de departamentos jurídicos internos ou externos, assegurando conformidade com a legislação vigente.
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Créditos imagem: Divulgação
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