O que sabe sobre o surto pontual de rabdomiólise no AM
Enfermidade é considerada rara e está relacionada com a ingestão de peixes contaminados
08 de setembro de 2021
O setor de pescado no Brasil está novamente em alerta por causa de um surto de rabdomiólise - desta vez no Amazonas. A condição é característica da síndrome de Haff, conhecida como “doença da urina preta”. Mais um caso foi notificado à FVS (Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas) nesta terça-feira (7).
Com a nova notificação da da Secretaria Municipal de Saúde de Itacoatiara (a 176 quilômetros de Manaus), o Amazonas passa a registrar 55 casos da síndrome em pessoas que buscaram atendimento médico após a ingestão de peixes. A situação preocupa toda a população do Norte do País e já reflete nas vendas de pescado na região.
Às vésperas da Semana Santa deste ano, casos nos Estados da Bahia e Pernambuco já haviam mobilizado a imprensa sobre o tema. A enfermidade é considerada rara e está relacionada com a ingestão de peixes contaminados, embora as reais causas ainda sejam desconhecidas pelos especialistas.
O que se sabe até agora é que o surto teria começado em Itacoatiara (AM). O G1 informa que, desde 22 de agosto, dezenas de moradores do local apresentam sintomas de rabdomiólise, marcado pela destruição das fibras que compõem os músculos do corpo. No mesmo período, moradores de outros cinco municípios do Amazonas também foram diagnosticados com a mesma condição.
Na quinta-feira (02), a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas - Dra. Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP) confirmou que, ao todo, são 54 casos da síndrome notificados no Amazonas, dos quais 36 em Itacoatiara (sendo um óbito), quatro em Silves, quatro de Borba, três em Manaus, três em Parintins, um em Caapiranga, um em Autazes, um em Maués e um em Manacapuru.
Na noite da quarta-feira (1), a FVS-RCP publicou um comunicado com orientações quanto às restrições do consumo de pescado extrativo em Itacoatiara (pelos próximos 15 dias, como medida para conter a proliferação da rabdomiólise na região.
O comunicado informa que, devido às evidências de casos de rabdomiólise, a fundação orienta a população do município a restrição temporária do consumo dos peixes das espécies pirapitinga, pacu e tambaqui, de origem de pesca em rios e lagos. O documento esclarece ainda que o pescado de piscicultura não está associado aos casos da doença, além de outras espécies de peixes encontrados nas bacias de rios e lagos da região.
O Governo do Amazonas tem intensificado as investigações e criou uma força-tarefa com especialistas de diversas pastas da esfera estadual para apurar os casos. Na sexta-feira (3), equipes da Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM) participaram de uma reunião para alinhamento técnico sobre a ocorrência de casos na sede da Secretaria Municipal de Saúde de Itacoatiara. Participaram técnicos da FVS-RCP e Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD).
Após a reunião, foi realizada uma visita ao Hospital Regional José Mendes, referência na cidade para casos de rabdomiólise. Lá as equipes estiveram com os pacientes internados com a doença e analisaram prontuários com objetivo de identificar possíveis causas do surto.
Ainda na sexta-feira, técnicos da Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Amazonas (Adaf) e do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), da FVS-RCP realizaram coleta de água e de peixes in natura em Itacoatiara, as amostras foram levadas para análise na capital.
O Governo também informou que a Secretaria de Estado da Produção Rural (Sepror) está realizando trabalhos de busca ativa de casos em comunidades rurais no entorno da cidade e atuando na elaboração de medidas para diminuir os impactos no trabalho dos pescadores artesanais.
A fiscal agropecuária médica veterinária Jucileia Faria, da Adaf, ressalta que ainda não está comprovada a origem do surto; no entanto, os peixes são uma forte suspeita. Segundo a veterinária, também podem ser analisadas, se possível, sobras dos peixes que foram consumidos.
Impactos nas feiras
Em Manaus, os impactos do surto de rabdomiólise já são sentidos no varejo. Vendedores da Feira Manaus Moderna, a maior da capital, no Centro, alegam que os casos de urina preta já derrubaram a venda de peixes. No local, o faturamento caiu de R$ 800 para R$ 20 por dia, em média, como apurou o Amazonas Atual.
Os feirantes reclamaram da repercussão negativa que a doença causou sobre os negócios. Edmar de Oliveira Marques, disse que na quarta-feira (1) saiu da feira sem vender nada. “A média do apurado de quem vende peixe miúdo era de R$ 600 a R$ 800 por dia. Hoje tem gente apurando R$ 20, só o da merenda, do gelo e vai embora sem nada”, contou.
O feirante Emanuel da Silva vende pirarucu e está passando pela mesma situação. “Estamos aí lutando, pedindo para o pessoal vir comprar peixe porque ninguém sabe, essa doença não tem resposta ainda”, lamentou. “Eu fazia R$ 500 por dia, hoje eu não apurei nada ainda”, relata.
Edmar Marques reclama também da forma como o surto da doença está sendo noticiado. “Estão espalhando que é quase todas as espécies que estão com essa doença, quando na verdade nem mesmo os profissionais (de saúde) estão sabendo explicar a origem e que espécie está afetada. Eles estão falando que é do pacu, tambaqui, pirapitinga, mas não dão uma informação concreta para a população”.
Preocupação também nos supermercados
O engenheiro de pesca Erivan Oliveira, que atua como consultor de diversos frigoríficos, ressalta que os peixes vendidos em supermercados são seguros e não há qualquer motivo para relacionar o consumo de peixe da piscicultura à rabdomiólise. As informações são do portal Edilene Mafra.
Conforme ele, o peixe de viveiro que é comercializado nos supermercados cumpre uma série de protocolos antes de chegar à mesa da população. Uma das exigências é o Atestado Sanitário. E entre os certificados necessários para fornecer pescado aos supermercados também está o Guia de Trânsito Animal.
Oliveira afirma que os frigoríficos passam por inspeções periódicas para verificar, por exemplo, se estão sendo seguidas as regras de acondicionamento de temperatura do peixe e as boas práticas de manipulação e higienização. Conforme ele, quando o peixe chega aos supermercados passa novamente pelo controle de qualidade. “Um profissional veterinário é responsável por monitorar internamente toda a qualidade dos produtos”, destacou.
A Associação Brasileira de Piscicultura (PeixeBR) usou seu instagram para divulgar um vídeo do pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Amazônia Ocidental), Roger Crescêncio. No vídeo, Crescêncio reforça que a rabdomiólise pode ser causada por diversos fatores, como choque elétrico, exercício físico ao extremo, alimentos contaminados, entre outros.
Conforme ele, quando a doença é causada pelo consumo de peixe contaminado, ela passa a ser chamada de doença de Haff ou síndrome de Haff. “Geralmente ela acontece na época mais quente do ano em que as águas dos lagos e rios estão mais quentes. Nesta época, existe uma grande proliferação de microorganismos dentro da água que produzem uma toxina chamada palitoxina, que contamina o peixe. Esse peixe [contaminado] quando consumido, desenvolve essa síndrome de Haff”, falou.
Crescêncio ressalta ainda que não há nenhum registro no mundo de casos de rabdomiólise por consumo de peixe de piscicultura. “Na história do mundo, até hoje, a doença nunca foi encontrada em peixe de cativeiro”, assegurou.
Alerta é para todos
No começo de março, a morte da médica veterinária Priscyla Andrade, de 31 anos, vítima de síndrome de Haff, em Recife, mobilizou toda a imprensa sobre o tema. Além de Pernambuco, às vésperas da Semana Santa, a Bahia também havia registrado casos da síndrome de Haff.
Na época, a Associação de Criadores de Peixes de Rondônia (Acripar), diante da associação do consumo de tambaqui a um caso ocorrido no Pernambuco, enviou uma nota à imprensa destacando que “mais de 95% do peixe produzido pelo Estado de Rondônia vinham de fazendas de cultivo”. Leia a nota no portal Facer.
Na ocasião, a Peixe BR também emitiu uma nota esclarecendo que a “tilápia não pode ser responsabilizada nem ter sua imagem associada a eventuais casos da síndrome de Haff ". A nota veio após uma das publicações, do site G1, trazer a foto de tilápias para ilustrar uma abordagem sobre o tema. A notícia revoltou os tilapicultores que iniciaram uma grande mobilização pelas redes sociais, com pedidos de retratação da TV Globo em Pernambuco.
Créditos: Divulgação/FVS-RCP/AM
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