Tensão econômica EUA: BRICS, fragmentação geoeconômica e a reação
Comercialização

Tensão econômica EUA: BRICS, fragmentação geoeconômica e a reação

Este é o terceiro texto de uma série de artigos que analisam os desdobramentos da atual tensão econômica nos Estados Unidos

Abraão Oliveira - 12 de agosto de 2025

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Enquanto os Estados Unidos tentam reverter seu déficit comercial por meio de tarifas e retaliações, o restante do mundo também se move. Nos bastidores da geopolítica econômica, o grupo BRICS vem ganhando projeção e se consolidando como uma plataforma de contestação à ordem internacional tradicional, liderada por Washington e seus aliados históricos.
 
A recente expansão do bloco, aliada à criação de mecanismos financeiros próprios e ao fortalecimento da cooperação entre países do Sul Global, representa não apenas uma reorganização comercial, mas uma reconfiguração política e institucional de longo alcance. Para o governo Trump, esse avanço é visto como ameaça direta, e sua reação tem sido pública, agressiva e carregada de implicações econômicas.
 
Originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o BRICS deu um salto em 2024 ao incorporar novos membros, incluindo Irã, Egito, Etiópia, Arábia Saudita e Argentina. Com isso, passou a representar cerca de 40% da população mundial e mais de 30% do PIB global (em paridade de poder de compra).
 
Mas mais relevante do que o tamanho é a estratégia: o grupo vem investindo na construção de alternativas ao sistema financeiro e comercial dominado pelos EUA, como: O uso crescente de moedas locais em transações internacionais; A expansão do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB); E a criação de sistemas de pagamento independentes do SWIFT.
 
Essas iniciativas têm como pano de fundo a crítica à concentração de poder em instituições como o FMI, o Banco Mundial e o Conselho de Segurança da ONU, consideradas obsoletas por não refletirem a atual distribuição de poder global.
 
Diante da ampliação do BRICS e de seus movimentos de autonomia, o governo americano reagiu com declarações públicas de hostilidade, medidas comerciais unilaterais e ameaças veladas. Trump chegou a afirmar, em discurso recente, que o BRICS representa uma “aliança econômica antiamericana disfarçada de cooperação”, sugerindo que poderá impor sanções aos países que comercializarem fora do sistema baseado no dólar.
 
Essa postura foi analisada por veículos como a CNN Brasil e o Le Monde Diplomatique, que destacam o desconforto estratégico da Casa Branca diante da perda de centralidade global. Já a Revista Relações Exteriores interpretou o avanço do BRICS como uma resposta legítima às assimetrias da ordem liberal — e não como mera provocação geopolítica.
 
A professora Ana Garcia, do BRICS Policy Center, acrescenta que os EUA estão reagindo à construção de um mundo multipolar com a mesma lógica de contenção usada durante a Guerra Fria — só que agora aplicada ao campo econômico e financeiro, e não ao militar. 
 
Nesse cenário, o Brasil ocupa uma posição singular, ao mesmo tempo em que participa ativamente do BRICS — com espaço crescente em instituições como o NDB e protagonismo na diplomacia Sul-Sul —, também depende do comércio com os EUA e da estabilidade do dólar para diversas frentes de financiamento e exportação.
 
Essa posição intermediária pode ser estratégica, mas também vulnerável. Com os Estados Unidos sob uma liderança imprevisível e retaliadora, todos os movimentos  brasileiros no BRICS — ou com seus instrumentos financeiros, basta ver a ameaça de investigação sobre o PIX — pode ser interpretado como desafio diplomático, ainda que não haja intenção política explícita.
 
A política comercial brasileira, portanto, terá de navegar com atenção em um cenário onde o que está em jogo não é apenas o destino das tarifas, mas o próprio desenho do sistema global de trocas, influência e financiamento.
 
A fragmentação da economia global já não é mais uma hipótese, é um processo em curso. O avanço do BRICS, a reação dos Estados Unidos e a multiplicação de acordos bilaterais fora do eixo tradicional indicam que o sistema construído no pós-guerra está sendo redesenhado diante de nossos olhos.
 
Nesse novo contexto, países como o Brasil precisarão observar não apenas os fluxos comerciais, mas os movimentos geoeconômicos mais amplos, onde moedas, tarifas, instituições e confiança passam a ser instrumentos de disputa. O futuro do comércio internacional já não se define apenas por volumes exportados, mas por quem dita as regras, quem oferece as alternativas e quem conquista a confiança dos parceiros.
 
RISCOS, TRANSIÇÕES E O QUE (AINDA) NÃO SABEMOS
 
A leitura aponta para um cenário em movimento, mas em que os sinais de alerta estão cada vez mais nítidos. A economia americana segue rodando — o consumo ainda sustenta o ciclo, o crédito segue disponível (embora mais caro), e as cadeias de suprimento continuam funcionando, ainda que sob tensão. No entanto, sob essa aparência de continuidade, algo mais profundo parece estar mudando.
 
Não há, até aqui, uma crise clara e declarada. Mas há um sentimento de instabilidade que atravessa instituições, mercados e decisões cotidianas. Trata-se de uma transição, não de um colapso. E essa transição ocorre em várias camadas simultaneamente: na inflação, que deixou os bens e passou a pressionar os serviços; na política monetária, que mantém os juros elevados mesmo diante de sinais de desaceleração; na confiança do consumidor, que, como mostrou a Conference Board, já caiu abaixo dos níveis historicamente associados à estabilidade; e na reputação dos Estados Unidos como eixo previsível da ordem econômica global.
 
Esse último ponto — a questão reputacional — talvez seja o mais delicado. Em editorial recente, a revista The Economist alertou que a política errática do governo Trump já começa a corroer a imagem dos ativos americanos como porto seguro. Isso afeta não apenas os mercados financeiros, mas também a forma como países e investidores globais interpretam o dólar, os títulos do Tesouro e os acordos comerciais firmados sob a bandeira dos EUA.
 
Quando se combina esse fator com o alerta emitido pelo Peterson Institute for International Economics, de que o modelo americano de déficits financiados por endividamento externo está se tornando estruturalmente insustentável , a conclusão não é de colapso iminente, mas de tensão crescente.
 
Ao mesmo tempo, o mundo está se reorganizando. A ampliação do BRICS, acompanhada da criação de mecanismos financeiros alternativos e de sistemas de pagamento fora do circuito dolarizado, mostra que não se trata apenas de reações pontuais, mas de uma tentativa mais ambiciosa de reorganizar a arquitetura global. Essa movimentação, analisada em profundidade por fontes como o BRICS Policy Center, a CNN Brasil, a Relações Exteriores e o Le Monde Diplomatique, vem sendo interpretada nos Estados Unidos como um desafio direto. A resposta tem sido retórica, tarifária e, em muitos casos, coercitiva.
 
Para países como o Brasil — inseridos em ambos os mundos —, esse ambiente exige atenção redobrada. Não se trata apenas de definir para onde vão as exportações, mas de acompanhar quais regras estão sendo reescritas, quem está redigindo essas regras, e quem terá força suficiente para fazê-las valer.
 
É preciso reconhecer que há muito que ainda não sabemos. Não sabemos se a política tarifária será capaz de reverter o déficit comercial dos EUA — ou se ampliará a pressão sobre preços e consumidores. Não sabemos até que ponto a confiança nos ativos americanos resistirá a decisões erráticas vindas de Washington. E não sabemos se o BRICS conseguirá de fato transformar sua agenda de autonomia em mecanismos funcionais e amplamente aceitos. Mas sabemos que esses processos estão em curso, que interagem entre si, e que qualquer decisão estratégica hoje precisa partir de uma leitura atenta e atualizada desses movimentos.
 
Este relatório foi concebido justamente com esse propósito: acompanhar os fatos enquanto eles ainda estão sendo formados. Sem antecipar respostas, mas também sem recuar diante da complexidade. Porque, em momentos de transição, a observação cuidadosa — apoiada em dados, análises confiáveis e leitura crítica — pode ser, por si só, uma forma de preparação estratégica.
 
Este é o terceiro texto de uma série de artigos que analisam os desdobramentos da atual tensão econômica nos Estados Unidos. Clique aqui e leia os textos anteriores.
 
Créditos da imagem: Canva
 

Sobre Abraão Oliveira
 
  • Engenheiro de pesca com mestrado em agronegócio e especialização em fluxos comerciais de pescado. É fundador da consultoria ProjePesca e cofundador da JubartData, que possui diversas empresas internacionais em seu portfólio. Atua como consultor de inteligência de negócios para empresas de pesca.
 
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