Terceirização da inspeção oficial: o que muda com a nova norma do MAPA
Manual detalha credenciamento e fiscalização de empresas de serviço de apoio à inspeção ante e post mortem – e coloca lenha na terceirização
Lex Experts (Sarah de Oliveira e Gustavo Faria) - 04 de dezembro de 2025
Em 13 de novembro de 2025, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) publicou a Portaria nº 861, regulamentando o credenciamento de pessoas jurídicas para prestar serviços técnicos ou operacionais de apoio à inspeção ante mortem e post mortem de animais destinados ao abate, com base na Lei nº 14.515/2022 e no RIISPOA.
Na prática, a Portaria abre um caminho formal para que Pessoas Jurídicas Credenciadas, denominadas PJC, disponibilizem médicos-veterinários ao Serviço de Inspeção Federal (SIF), para atuarem em estabelecimentos sob SIF, sem transferência de poder de polícia, mas com atuação direta na rotina de inspeção ante e post mortem.
No âmbito federal, a Portaria 861 foi desenhada para estabelecimentos de inspeção em caráter permanente. Na prática para o setor do pescado, estamos falando das plantas que realizam abate de anfíbios ou répteis. Os estabelecimentos sob inspeção periódica, que não realizam abate – como é o caso da maioria dos estabelecimentos de pescado - não entram no escopo direto da norma.
O PJC: Manual de Fiscalização Sobre Credenciamento de Pessoas Jurídicas, publicado pela Secretaria de Defesa Agropecuária (DAS), é a “instrução de uso” da Portaria 861 para dentro do DIPOA e para os atores diretamente envolvidos.
Em resumo, o manual tem como objetivo orientar como credenciar as PJC, detalhar a forma de fiscalização da execução das atividades realizadas pelas próprias PJC e pelos médicos-veterinários contratados por elas (médico-veterinário de credenciada - MVC) e garantir a uniformidade dos procedimentos de fiscalização e a eficácia dos controles oficiais no âmbito do SIF.
O manual entra justamente onde a Portaria não é clara: o passo a passo burocrático do processo, do credenciamento ao acompanhamento cotidiano. Em síntese, ele mostra quem faz o quê dentro do MAPA, quais processos precisam ser abertos no Sistema Eletrônico de Informação (SEI), como a documentação deve ser organizada e de que forma a fiscalização – tanto documental quanto in loco – deve ocorrer para garantir rastreabilidade, comparabilidade entre regiões e segurança jurídica para todos os envolvidos.
No momento da análise do credenciamento, a Divisão de Auditorias Nacionais da Coordenação-Geral de Controle e Avaliação (DIAN/CGCOA) é responsável por avaliar a documentação das PJC no SEI, verificando se a empresa atende aos requisitos legais, como forma societária adequada, ausência de conflito de interesses, se não está em falência ou em processo de recuperação judicial, entre outros pontos. Além disso, a análise inclui a checagem dos programas de autocontrole da PJC, que devem contemplar, no mínimo, aspectos relacionados a recrutamento, saúde ocupacional e treinamento dos médicos-veterinários.
Aqui, cabe dizer que quando um agente controlador firma contrato com uma PJC, o manual também define uma rotina específica a ser seguida pelo SIF, com abertura de processos no SEI e organização dos documentos em trilhas próprias. A ideia é estruturar, de forma padronizada, a análise dos programas da PJC, o acompanhamento das escalas de trabalho dos médicos-veterinários de credenciada e a fiscalização da execução das atividades, sempre com suporte em registros formais e formulários de avaliação.
Na fiscalização in loco e documental, cabe ao AFFA verificar se a atuação da PJC e dos médicos-veterinários de credenciada está alinhada às exigências do serviço oficial, considerando tanto a execução da inspeção quanto a qualidade dos registros gerados. O manual ainda indica parâmetros mínimos de abrangência e frequência dessas avaliações, de modo que a atuação das equipes vinculadas às PJC permaneça sob acompanhamento sistemático ao longo do tempo.
A Portaria 861 e o manual consolidam a divisão de papéis entre as PJC, os MVC e os responsáveis legais dos estabelecimentos. A lógica é tentar equilibrar a ampliação de mão de obra para a inspeção com a preservação da independência técnica e da responsabilidade do serviço oficial, deixando mais claro quem responde pelo quê – tanto na gestão do pessoal quanto nos registros e nas decisões que impactam diretamente o fluxo de abate e o status dos produtos.
No caso das PJC, o manual reforça que elas devem manter programas estruturados de autocontrole, dimensionar de forma adequada o quadro de médicos-veterinários credenciados e manter comunicação formal com o SIF, assumindo a responsabilidade pelos profissionais e pelos registros inseridos nos sistemas oficiais.
Já o MVC, vinculado à PJC e não ao estabelecimento, atua como responsável técnico pela execução e registro das atividades de inspeção, comunicando ao serviço oficial situações que comprometam a independência da fiscalização e adotando medidas corretivas quando necessário. Suas decisões, porém, permanecem sujeitas à revisão pelo AFFA, que mantém a palavra final nas definições oficiais.
Os estabelecimentos, por sua vez, não podem contratar diretamente médicos-veterinários para atuar como credenciados, devendo firmar contrato com uma PJC quando o MAPA não alocar equipe própria. Devem acatar as decisões da equipe oficial quanto à destinação de produtos e observar regras de conflito de interesses na movimentação de profissionais entre a PJC e o próprio estabelecimento.
Quando o assunto são desvios e irregularidades, o combo Portaria + Manual traz um cardápio completo de medidas cautelares e penalidades, deixando claro que a ampliação do uso de PJC vem acompanhada de instrumentos para controle e responsabilização.
Entre as ferramentas previstas estão a suspensão temporária do MVC, da própria PJC ou, em situações mais graves, das atividades de abate do estabelecimento. As infrações são classificadas em diferentes graus de gravidade e podem resultar em sanções que impactam diretamente o credenciamento e o registro das empresas. O manual reforça que, em determinadas situações, produtos podem ser considerados como sem inspeção e, portanto, impróprios para consumo. Parte das regras de conflito de interesses só passa a valer a partir de 2026, abrindo uma janela de adaptação para o setor.

A criação das PJC e, agora, a publicação do manual reacendem com força o debate sobre o rumo da inspeção federal no Brasil. De um lado, está a necessidade de ampliar a capacidade de fiscalização e assegurar a presença de médico-veterinário na linha de abate. De outro, surgem dúvidas sobre os limites da terceirização de atividades ligadas à inspeção e o risco de perda de independência e imparcialidade quando o profissional é remunerado, indiretamente, pelo próprio fiscalizado.
O Brasil já mostrou, em diferentes momentos, que a relação entre indústria e inspeção é sensível, sujeita a pressões econômicas, políticas e regionais. Colocar uma empresa intermediária entre o estabelecimento e o serviço oficial aumenta a complexidade e cria um risco estrutural de conflito de interesses que não deixa de existir só porque está escrito na norma que “não pode”.
Isso significa que a segurança do alimento está automaticamente comprometida? Não necessariamente. A obrigação de garantir a inspeção oficial e proteger a saúde pública é do Estado e não se transfere por contrato. Mesmo quando credencia empresas privadas para executar parte das atividades, o MAPA continua sendo o responsável final pelo que acontece sob o carimbo do serviço oficial.
O modelo pode funcionar e ajudar a manter o nível de segurança de alimentos se (e um “SE” bem grande) o serviço oficial mantiver uma presença forte, ativa e tecnicamente embasada, se as decisões críticas continuarem, na prática, sob a tutela do AFFA, se os mecanismos de fiscalização, auditoria e sanção forem efetivamente aplicados e, por fim, se a seleção e a atuação das PJC e dos MVCs forem pautadas por critérios técnicos e experiência comprovada.
Mas isso não esgota a discussão sobre quem responde pela segurança do que é produzido. Em qualquer arranjo institucional, quem decide abater, processar e colocar um alimento no mercado assume o dever de garantir que ele seja seguro e adequado ao consumo.
O estabelecimento e seu responsável legal respondem pela implementação real dos programas de autocontrole e pelo cumprimento da legislação. Já o médico-veterinário responsável técnico tem, pelo seu Código de Ética, o dever de zelar pela saúde pública, comunicar às autoridades falhas de procedimentos que representem risco e não se omitir diante de situações que possam comprometer a segurança e a qualidade dos produtos.
Se essas travas não funcionarem, o risco é real: pressão por produtividade, contratos frágeis e fiscalizações pouco frequentes tendem a empurrar o sistema para decisões “mais convenientes” do que seguras. A inspeção oficial continua sendo prerrogativa do Estado. Já a segurança do alimento, porém, é também responsabilidade direta de quem produz e de quem assina tecnicamente por aquilo que é produzido.
Se isso tudo será suficiente para acalmar os ânimos é assunto para muitos outros Minutos Regulatórios…
Quando você pensa em contratar uma PJC para o seu estabelecimento, não basta ter em mãos a Portaria e o manual: é preciso checar se contrato, escalas, comunicação com o DIPOA, programas de autocontrole, gestão de conflitos de interesse e registros estão realmente no ponto para uma fiscalização do SIF.
Se na hora de responder a isso aparecer um “não sei” ou um “talvez”, é exatamente aí que a LEX Experts entra: para mapear riscos, ajustar processos e preparar o time para operar nesse novo cenário com segurança regulatória e de mercado.
Seguimos acompanhando cada movimento desse tabuleiro, de preferência com bom humor, mas com os dois pés bem calçados na legislação e na experiência.
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Créditos imagem: Canva
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- Sarah de Oliveira e Gustavo Faria são médicos-veterinários com ampla trajetórias na cadeia do pescado. -- -- Sarah de Oliveira é doutora em Aquicultura, mestre em Ciência de Alimentos e especializada em Inspeção e Tecnologia de Produtos de Origem Animal. Com 15 anos de experiência, construiu carreira nas áreas de segurança dos alimentos, garantia da qualidade e conformidade regulatória no processamento de pescado. Atua estrategicamente com comunidades de pesca artesanal, promovendo inclusão produtiva, inovação e o fortalecimento de cadeias de valor sustentáveis. Atualmente, é Diretora Executiva na Lex Experts. -- -- Gustavo Faria é doutorando em Ciência de Alimentos e mestre em Aquicultura. Com mais de 20 anos de experiência na indústria do pescado, ocupou cargos como gerente técnico, gerente de qualidade e gerente de compras estratégicas de matérias-primas, liderando projetos de alto impacto por 16 anos. Seu trabalho integra conhecimento técnico, visão de mercado e gestão estratégica para impulsionar resultados sustentáveis no setor. Atualmente, é Diretor Técnico na Lex Experts.






