Panorama de produção e consumo de pescado no Estado do Rio de Janeiro
É notável o crescimento das atividades aquícolas nos últimos anos frente à estagnação e/ou declínio das atividades pesqueiras
03 de maio de 2022
O termo pescado, de amplo espectro, compreende todos os peixes, crustáceos, moluscos, anfíbios, quelônios, répteis, equinodermos e outros animais aquáticos, que tenham pelo menos uma fase do ciclo evolutivo dependente de água, usados pelo ser humano principalmente na área da alimentação (BRASIL, 2017). Originários da pesca extrativista ou da aquicultura, são produtos de grande relevância socioeconômica, altamente nutritivos, e com forte importância e apelo como alimento junto ao mercado consumidor, que se apresenta mais frequentemente no prato de muitos brasileiros.
Dados relatados na mais recente edição do documento “State of The World Fisheries and Aquaculture” (SOFIA) (FAO, 2020), um compêndio estatístico e analítico produzido pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) sobre as atividades mundiais da cadeia produtiva do pescado, demonstraram um volume de produção recorde em 2018 de 179 milhões de toneladas métricas, onde a atividade de pesca extrativista, continental e marítima, foi responsável pela captura de 96,4 milhões de toneladas métricas, observando aumento singelo entre os anos de 2008 e 2017 de 7%. Enquanto isso, a aquicultura foi responsável por 82,1 milhões de toneladas métricas em 2018, apresentando crescimento significativo no mesmo intervalo de tempo, de cerca de 25%.
Logo, é notável o crescimento das atividades aquícolas nos últimos anos frente à estagnação e/ou declínio das atividades pesqueiras, o que pode ser explicado pela falta efetiva de gestão sustentável, esforço pesqueiro acima do possível e consequente sobre-explotação dos recursos pesqueiros, além da formação e lançamento inadequado de poluentes ambientais e demanda crescente da proteína do pescado pela população mundial.
E tal fato não é diferente no Brasil. Apesar de possuir mais de 10.500 km de extensão de costa marinha, considera-se que o setor de pesca extrativista gradativamente encontra-se com menor força, ao contrário da aquicultura, que vem crescendo gradativamente, colocando o País em melhores destaques no ranking mundial.
Segundo os dados mais recentes disponibilizados pela FAO (2020), o Brasil encontra-se em 13º lugar na produção geral de peixes, 8º lugar na piscicultura continental, porém não se encontra dentre os 25 países em relação à produção proveniente da pesca extrativista mundial marinha.
Já o Estado do Rio de Janeiro apresenta condições naturais favoráveis para o desenvolvimento da pesca marinha e sempre esteve na vanguarda da atividade. A pesca extrativa representa a principal origem do pescado, frente aos índices produtivos aquícolas fluminenses. Dois projetos de estatística pesqueira no Estado estão atualmente ativos, e contam com a participação da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ), a saber, “Projeto de Monitoramento da Atividade Pesqueira da Bacia de Santos (PMAP)”, em parceria com a Fundepag e o "Projeto de Monitoramento do Desembarque Pesqueiro (PMDP)", em parceria com a Aqua BioOcean, contemplando assim toda a extensão do litoral estadual. Tais projetos são executados pela Petrobras, em exigência ao licenciamento ambiental federal conduzido pelo IBAMA.
A partir destes, observou-se que a produção pesqueira estimada em 2020 foi de 66.390,3 toneladas e a modalidade comercial predominantemente foi a industrial (72,4%), apesar de parcela importante vindo da artesanal. Os principais municípios de descarga do pescado no Estado foram Niterói, Cabo Frio, São Gonçalo e Angra dos Reis, com predominância da pesca industrial nesses; já em São Francisco de Itabapoana, a quinta posição na classificação, observa-se apenas a produção artesanal.
As principais produções pesqueiras de 2020 foram provenientes do cerco de traineira destinado à captura de pequenos pelágicos como a sardinha-verdadeira (Sardinella brasiliensis) e a sardinha-laje (Opisthonema oglinum), oriundas da pesca industrial majoritariamente e a sardinha boca-torta (Cetengraulis edentulus), voltada principalmente para a fabricação de farinha e outros coprodutos. O arrasto duplo, utilizado principalmente para captura de camarões, foi a segunda principal arte de pesca em termos de produção no período.
Algumas espécies de peixes, como a corvina (Micropogonias furnieri), dourado (Coryphaena hippurus) e anchova (Pomatomus saltatrix), capturados através de diversos petrechos, como redes de emalhe e linhas diversas, bem como a peruá-preta (Balistes capriscus), capturada pela pesca artesanal através de puçá no Norte Fluminense, também se destacaram.
O principal caminho do pescado proveniente da pesca extrativista no RJ foi através de atravessadores, uma realidade complicada na cadeia, pois geralmente encarece o produto e faz perder qualidade, especialmente na falta de armazenamento e conservação adequados (PMAP, 2020a; PMAP, 2020b).
Enquanto isso, de acordo com dados do IBGE (2021), o destaque em 2021 na aquicultura brasileira foi a tilápia (Oreochromis spp.), peixe exótico altamente consumido, correspondendo a 62,8% da produção total – inclusive, o Brasil atualmente encontra-se em quarto lugar no ranking mundial de tilapicultores (PEIXE BR, 2022). Outros peixes que sobressaíram no País foram o tambaqui (18,2%), o tambacu e tambatinga (7,9%), a carpa (3,1%) e bagres amazônicos, como pintado, surubim e cachara (2,1%). Os principais Estados piscicultores foram Paraná, São Paulo, Rondônia, Minas Gerais e Mato Grosso, sem destaque para a produção fluminense.
Sobre tais produções no Estado do RJ, nota-se como os maiores cultivos aquícolas em ordem decrescente: tilápia, moluscos bivalves, truta, tambacu e tambaqui, carpa e outros (IBGE, 2021), que, de modo geral, obtiveram queda na produção nos anos de 2018 e 2019 em comparação à 2020, como a tilápia, truta e tambaqui – muito possivelmente pela pandemia do Sars-Cov-19, que afetou diretamente as atividades socioeconômicas (Tabelas 01, 02, 03).
Tabelas 01, 02 e 03: Queda na produção de algumas espécies de peixes de produção dos anos de 2018 e 2019 em comparação à 2020 (IBGE, 2021).
Importante salientar que, além dos dados do IBGE relatados acima, há também dados obtidos pela Associação Brasileira da Piscicultura (PEIXEBR), que atuam somente com peixes de cultivo, e utilizam metodologia diferenciada de coleta de dados – o que resulta em eventuais discrepâncias. Em observação do último Anuário da PEIXEBR (2022), observou-se em 2021 um crescimento de 4,74% em relação ao ano anterior, e num total de 45%, de 2014 a 2021. A região Sudeste foi a que apresentou maior crescimento no ano relatado, de 8,6%, seguida do Sul (7,8%), Nordeste (7,3%) e Centro-Oeste (0,4%), sendo o Norte a única região a apresentar queda na produção (menos 3,3%) (PEIXEBR, 2022).
Os Estados com maior destaque foram o Paraná, São Paulo, Rondônia, Santa Catarina e Minas Gerais, e as exportações da piscicultura cresceram 78%, superando US$ 20 milhões. O Estado do Rio de Janeiro encontrou-se em 24º, com a tilápia como o principal peixe produzido em terras fluminenses, principalmente produzida na metodologia de sistema semi-intensivo com tanques escavados e renovação de água. Os principais municípios foram, em ordem decrescente, Campos dos Goytacazes, Bom Jesus do Itapaboana, Guapimirim, Magé, São Fidélis, Cachoeiras de Macacu, Santo Antônio de Pádua, Conceição de Macabu, Paraíba do Sul e Itaocara (ibid.)
É de suma relevância a observação do consumo do produto. No mundo, o cenário é de crescimento gradual, junto ao aumento populacional, uma vez que o pescado está cada vez mais sendo consumido: por exemplo, na década de 60, o consumo per capita aparente beirava 9,0 Kg/habitante/ano; já em 2018, esse valor encontrou-se em torno de 20,5 Kg/habitante/ano. Atualmente, o consumo aparente do pescado no mundo é maior que das demais proteínas animais, com uso principal na alimentação. Nota-se inclusive que a produção pesqueira mundial já não acompanha a demanda crescente de consumo de pescado, e o peixe consumido no mundo principalmente é oriundo da aquicultura (FAO, 2020).
No Brasil, o consumo é muito variado entre as regiões. Por exemplo, na região Norte, o consumo é demasiadamente elevado, de cerca 36 kg per capita, pela farta presença de água, e, consequentemente, facilidade da obtenção dos animais aquáticos para uso humano.
Nas grandes e principais metrópoles, como Rio de Janeiro e São Paulo, o consumo também é alto, de cerca de 15 a 20 kg/habitante/ano, principalmente pelo alto poder aquisitivo e hábitos culinários, impulsionados principalmente pela culinária asiática nas últimas décadas. Mas, em uma média geral, ainda é considerado baixo frente aos valores mundiais de referência, sendo menor em alguns lugares brasileiros, até mesmo que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de 12 kg/habitante/ano.
E as previsões estimadas da FAO são animadoras: o Brasil deve registrar um crescimento de 89% na produção da pesca e aquicultura até 2030, em especial na cadeia aquícola, sendo o segundo maior crescimento esperado até o momento na região da América Latina e Caribe, atrás do Peru (120,9%) e seguido de México (42,6%) e Argentina (26,4%) (FAO, 2018).
Logo, a cadeia produtiva do pescado se mostra cada vez mais promissora e em crescimento, trazendo o desenvolvimento econômico e a geração de renda e empregos para os brasileiros. Porém, há alguns desafios a serem vencidos, para um maior desenlace da cadeia produtiva do pescado. Pode-se elencar como entraves o conhecimento reduzido de espécies nativas frente às exóticas, havendo necessidade de estudos aplicados sobre nutrição, sanidade, sistemas de produção, tecnologias, qualidade, beneficiamento, comercialização, entre outros, para melhoria da qualidade do produto final. Além disso, a facilitação para o licenciamento ambiental se faz importante, para redução da ilegalidade da atividade.
Portanto, há uma necessidade de melhor organizar a cadeia, promovendo melhor escoamento da produção, com a existência de terminais pesqueiros para facilitar desembarque adequado, e indústrias com serviço legal de inspeção, trazendo o beneficiamento correto de pescado; as embarcações e demais infraestruturas, principalmente de produção primária, precisam ser reestruturada, uma vez que não estão de acordo com a legislação higiênicossanitária (BRASIL, 2020).
Além disso, eventualmente o produto é observado com baixa qualidade, principalmente pelo mau uso de gelo e das boas práticas de manipulação, além de preço elevado no produto final. A falta de políticas públicas e programas governamentais direcionados para abertura de mais mercados; ações privadas; coletas de dados estatísticos gerais, para orientar a gestão da cadeia são outros pontos importantes a serem levantados. E em especial, há a urgência de aumentar o hábito de consumo do brasileiro, corrompendo a falta de conhecimento e as notícias falsas dessa cadeia produtiva, de tanta importância para a sociedade humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Decreto n° 9.013, de 29 de março de 2017. Regulamenta a lei no 1.283, de 18 de dezembro de 1950, e a lei no 7.889, de 23 de novembro de 1989, que dispõem sobre a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Aprova o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitário de Produtos de Origem Animal. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, n. 62, p. 03, 30 mar. 2017a. Seção 1.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Aquicultura e Pesca. Portaria SAP-MAPA nº 310, de 24 de dezembro de 2020. Estabelece os critérios e requisitos higiênico-sanitários de embarcações pesqueiras de produção primária, que fornecem matéria-prima para o processamento industrial de produtos da pesca destinados ao mercado nacional e internacional. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, n. 248, p. 08, 29 dez. 2020b. Seção 1.
FAO. FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION. Fisheries and Aquaculture Department. The State of World Fisheries and Aquaculture (SOFIA). Roma: FAO. 2018. 227p.
FAO. FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION. Fisheries and Aquaculture Department. The State of World Fisheries and Aquaculture (SOFIA). Roma: FAO. 2020. 244p.
IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa da Pecuária Municipal 2020 (PPM 2020). Rio de Janeiro: IBGE, v. 48, 12 p. 2021.
PEIXEBR. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA PISCICULTURA. Anuário 2022: Peixe BR da Piscicultura. São Paulo: PEIXEBR, 2022. Disponível em: https://www.peixebr.com.br/anuario2022/Acesso em: 10mar. 2022.
PMAP-RJ. PROJETO DE MONITORAMENTO DA ATIVIDADE PESQUEIRA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Relatório técnico consolidado final. Niterói: FIPERJ, v.01, 98 p. 2020a.
PMAP-RJ. PROJETO DE MONITORAMENTO DA ATIVIDADE PESQUEIRA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Relatório técnico semestral. Niterói: FIPERJ, v.06, 254 p. 2020b.
Texto de: André Luiz Medeiros de Souza, médico veterinário e assessor na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e Emprego e Relações Internacionais do Estado do Rio de Janeiro (SEDEERI/RJ) e Hamilton Hissa Pereira, biólogo e extensionista na Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FIPERJ).
Créditos: Canva
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