Devemos nos preocupar com a presença de arsênio no pescado? – Pt. 03
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Devemos nos preocupar com a presença de arsênio no pescado? – Pt. 03

Na última parte deste artigo, entenda a exposição dietética ao arsênio e a repercussão na mídia da presença deste elemento no pescado

Alex Augusto Gonçalves - 03 de outubro de 2025

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Segundo a Agência Internacional de pesquisa sobre o Câncer (International Agency for Research on Cancer – IARC, 2012), a principal via de exposição ao arsênio para a população em geral é a ingestão de alimentos ou água contaminados, com ingestão diária estimada entre 20 e 300 µg/dia. Baixos níveis de arsênio inorgânico e orgânico são encontrados na maioria dos alimentos (<0,25 mg/kg), sendo influenciados pelo tipo de alimento (pescado vs. carne ou laticínios), condições de cultivo (solo, água, uso de pesticidas) e técnicas de processamento.

As maiores concentrações de arsênio ocorrem em pescado (2,4 – 16,7 mg/kg em peixes marinhos, 3,5 mg/kg em mexilhões e >100 mg/kg em certos crustáceos), seguidos por carnes, cereais, vegetais, frutas e laticínios. O arsênio inorgânico predomina em carnes, aves, laticínios e cereais, enquanto o arsênio orgânico (por exemplo, arsenobetaína) predomina em pescado, frutas e vegetais.

De acordo com a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (European Food Safety Authority – EFSA, 2009), a proporção de arsênio inorgânico em peixes e outras espécies de pescado é pequena e tende a diminuir com o aumento do teor total de arsênio. Valores fixos de 0,03 mg/kg para peixes e 0,1 mg/kg para outras espécies de pescado foram considerados realistas para estimativas de exposição dietética.

O Comitê Conjunto de Especialistas em Aditivos Alimentares da FAO/OMS (Joint Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO/WHO) Expert Committee on Food Additives – JECFA) determinou que o limite inferior da dose de referência para um aumento de 0,5% na incidência de câncer de pulmão (BMDL0,5) é de 3,0 µg/kg de peso corporal/dia (2–7 µg/kg/dia), considerando a exposição alimentar total (FAO/WHO, 2010).

Diferenças regionais na ingestão diária de arsênio refletem principalmente a quantidade de pescado consumido, sendo mais elevada no Japão do que na Europa e nos EUA. Estima-se que cerca de 25% da ingestão diária de arsênio seja de origem inorgânica. A ingestão tende a ser maior em homens do que em mulheres e crianças, variando de 1,3 µg/dia em lactentes <1 ano a 13 µg/dia em homens de 60–65 anos. Com base em dados de 19 países europeus, a exposição ao arsênio inorgânico proveniente de alimentos e água foi estimada entre 0,13 e 0,56 µg/kg de peso corporal/dia para consumidores médios, e entre 0,37 e 1,22 µg/kg/dia para os consumidores do 95º percentil (aqueles cuja ingestão está entre as 5% maiores em relação ao restante da população avaliada).

Em humanos, o arsênio inorgânico solúvel é quase completamente absorvido após a ingestão. A absorção das diferentes formas do arsênio orgânico é geralmente superior a 70%. Após ser absorvido, é amplamente distribuído para praticamente todos os órgãos. A ingestão prolongada de arsênio inorgânico em humanos tem sido associada a lesões cutâneas, câncer, neurotoxicidade, doenças cardiovasculares, alterações no metabolismo da glicose e diabetes. Há evidências emergentes de impactos negativos no desenvolvimento fetal e infantil, particularmente na redução do peso ao nascer, sendo necessária a obtenção de mais evidências sobre as relações dose-resposta e os períodos críticos de exposição para esses efeitos.

A arsenobetaína, a principal forma de arsênio presente em peixes e na maioria das espécies de pescado, não é metabolizada pelo organismo humano, sendo excretada inalterada. Por esse motivo, é amplamente reconhecida como uma forma de arsênio sem relevância toxicológica. Em humanos, os arsenossacarídeos e arsenolipídios são metabolizados principalmente em dimetilarsinato, mas não há informações específicas disponíveis sobre sua toxicidade. Para outros compostos organoarsenicais, não existem dados de toxicidade em humanos.

Dada a variabilidade na composição das espécies de arsênio nos alimentos, a EFSA recomendou que a exposição ao arsênio inorgânico seja reduzida ao mínimo possível. Além disso, enfatizou-se a importância de estudos adicionais sobre a toxicidade e a biodisponibilidade de outras formas de arsênio, como arsenolipídios e arsenossacarídeos, bem como a necessidade de aprimoramento das metodologias analíticas para a determinação das diferentes espécies químicas de arsênio em alimentos.


Notícia veiculada de forma imprecisa ou descontextualizada pode causar alarme desnecessário na população

No polêmico estudo conduzido por Vásquez-Ponce et al. (2025), que alarmou a população brasileira e importadores do pescado brasileiro, via redes sociais e jornais, os autores destacaram possíveis riscos à saúde pública brasileira associados ao consumo de ostras cruas, particularmente seu envolvimento na bioacumulação de metais potencialmente tóxicos. Os autores avaliaram os teores de arsênio total em ostras (Crassostrea gigas e Crassostrea brasiliana) coletadas em cinco mercados nos estados de São Paulo e Santa Catarina (inverno de 2022 e verão de 2023).

As concentrações de arsênio total (mg/kg base úmida) variaram entre as localidades e estações de ano - nos mercados de Cananéia (0,44 e 0,49 mg/kg), de Santos (0,74 e 0,91), de São Paulo (0,91 e 1,86), Florianópolis (1,01 e 1,95) e Peruíbe (1,57), respectivamente. Apesar das concentrações de arsênio total serem elevadas, os autores destacam a necessidade de uma quantificação mais precisa das espécies inorgânicas (tóxicas) de As para melhor avaliar os riscos potenciais à saúde humana, uma vez que a principal forma de arsênio presente em peixes marinhos e na maioria das outras espécies de pescado são na forma orgânica, com menor potencial tóxico.

No entanto, as notícias compartilhadas de forma equivocada levaram à divulgação de informações alarmantes, como:

--> Ostras vendidas no Brasil acumulam arsênio e carregam bactérias resistentes a antibióticos, aponta estudo
--> Estudo mostra que ostras do Brasil estão contaminadas por arsênio
--> Ostras do Brasil estão contaminadas por arsênio diz estudo
--> Estudo encontra arsênio em ostras brasileiras
--> Um estudo recente revelou que algumas ostras podem vir “recheadas” com arsênio e bactérias multirresistentes
--> Ostras do Brasil estão contaminadas por arsênio e superbactérias, revela estudo inédito
--> Ostras vendidas no Brasil têm bactérias e metais tóxicos, diz estudo
--> Ostras vendidas no Brasil carregam bactérias multirresistentes e metal tóxico
--> Dentre outras

É importante esclarecer que o estudo em questão foi realizado apenas com amostras de ostras coletadas nos estados de São Paulo e Santa Catarina, e os resultados não podem ser generalizados para toda a produção nacional. Ressalta-se que uma notícia veiculada de forma imprecisa ou descontextualizada pode gerar desinformação e causar alarme desnecessário na população.

Outra polêmica que alarmou foi a apreensão de 77 toneladas de carne de tubarão-azul, oriundas de Taiwan, pelo Ibama no porto do Rio de Janeiro, onde identificaram que a carne do cação estava com alta concentração de arsênio, chegando a 13 vezes mais do que o permitido pela Anvisa. Ressalto aqui que o IBAMA não possui competência legal para fiscalizar alimentos de origem animal, sem planos de amostragem, e laboratórios credenciados no Ministério da Agricultura e Pecuária. Da mesma forma, as notícias compartilhadas de forma equivocada levaram à divulgação de informações alarmantes, como:

--> “Ibama barra a entrada no Brasil de 77 toneladas de cação devido à alta concentração de arsênio. O Brasil é o maior consumidor mundial da carne de tubarão-azul”
--> “Ibama intercepta 77 toneladas de cação contaminado com arsênio”
--> “Ibama barra entrada de cação contaminado no Brasil - Carga de Taiwan com arsênio acima do permitido será devolvida”
--> “Contaminado com arsênio: Ibama intercepra 77 toneladas de cação vindos de Taiwan”
--> “Ibama barra a entrada de 77 toneladas de cação devido à alta concentração de arsênio”
--> “Ibama proíbe cargas de tubarão azul contaminadas com arsênio”

--> Dentre outras

Esse tipo de divulgação descontextualizada contribui para a disseminação de desinformação e pode causar pânico injustificado na população. É fundamental ressaltar que a atuação dos órgãos de controle visa justamente proteger a saúde pública, impedindo a entrada de produtos que não atendam aos padrões de segurança alimentar. Assim, uma notícia veiculada de forma imprecisa ou sem a devida contextualização técnica pode alarmar a população e comprometer a confiança nas instituições responsáveis pela fiscalização.

Ressalta-se, mais uma vez, que a quantificação do "arsênio total" corresponde à soma de todas as espécies de arsênio presentes na amostra, incluindo tanto o arsênio inorgânico (toxicologicamente relevante) quanto formas orgânicas como a arsenobetaína, considerada não tóxica para humanos. Assim, mesmo que uma determinada espécie de pescado apresente concentrações elevadas de arsênio total — ultrapassando o limite de 1,00 mg/kg estabelecido pela ANVISA —, esse valor pode refletir majoritariamente a presença de arsenobetaína, a qual é predominante em organismos marinhos, enquanto os níveis de arsênio inorgânico permanecem baixos. Nessas condições, a utilização exclusiva do arsênio total como critério regulatório pode levar a interpretações equivocadas sobre o risco toxicológico real ao consumidor, comprometendo a tomada de decisão quanto à segurança do alimento. Portanto, a determinação exclusiva do arsênio total não é um indicador confiável do risco toxicológico, uma vez que não permite distinguir entre formas tóxicas e não tóxicas do elemento.


Conclusão

A presença de arsênio em alimentos, especialmente os de origem aquática, constitui uma preocupação relevante para a segurança alimentar, dada a toxicidade associada às formas inorgânicas desse elemento. Entretanto, a interpretação adequada dos dados requer a diferenciação entre as formas químicas, uma vez que a maior parte do arsênio presente no pescado ocorre sob formas orgânicas de baixa toxicidade, como a arsenobetaína.

A ausência da informação da base utilizada — base seca (b.s.) ou base úmida (b.u.) — nas publicações científicas sobre arsênio em pescado dificulta a comparação entre diferentes estudos, uma vez que cada trabalho pode adotar uma base distinta. Isso pode comprometer a consolidação de informações sobre a presença de arsênio em diversas espécies de pescado e inviabilizar análises consistentes de exposição alimentar e impactos toxicológicos. Por isso, informar claramente a base utilizada é fundamental para garantir precisão, transparência e confiabilidade nos resultados de análises químicas de alimentos.

A predominância de estudos baseados apenas na quantificação do arsênio total também compromete a precisão das estimativas de risco à saúde humana. Ademais, o processamento (i.e., congelamento ou cozimento) e o preparo culinário podem alterar a especiação e a concentração do arsênio, reforçando a necessidade de considerar os alimentos na forma em que são efetivamente consumidos. A adoção de metodologias analíticas específicas e de protocolos padronizados para especiação química também são essenciais para subsidiar políticas públicas, ações de fiscalização e orientações ao consumidor baseadas em evidências científicas robustas.

Nesse contexto, é fundamental destacar que o compartilhamento de notícias equivocadas ou descontextualizadas pode distorcer os resultados científicos e gerar alarme injustificado na população, comprometendo a confiança nas instituições e dificultando o diálogo técnico com a sociedade.
 

Esta é a última parte deste artigo especial sobre o arsênio no pescado - leia a primeira parte na íntegra clicando aqui e a segunda clicando aqui
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Créditos imagens: Canva

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Sobre Alex Augusto Gonçalves
 
  • Oceanólogo (FURG), com especialização e mestrado em Engenharia de Alimentos (FURG), doutorado em Engenharia de Produção (UFRGS) e pós doutorado em Tecnologia de Ozônio (Dalhousie University, Canadá). Pesquisador (bolsista produtividade CNPq nível 2), Professor associado IV (Tecnologia do Pescado) no curso de Engenharia de Pesca (UFERSA), e Consultor internacional da FAO. Desde 2019, está cedido ao MAPA, onde ocupou diferentes cargos. Atualmente, exerce a função de coordenador da Ouvidoria e ouvidor substituto no MAPA. É autor de livro Tecnologia do Pescado: ciência, tecnologia, inovação e legislação (premiado no Jabuti 2012), e do livro Inspeção e Controle de Qualidade na Indústria do Pescado (previsto para 2025).
 
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