Gestão da pesca: ano novo, velhos problemas
Institucional

Gestão da pesca: ano novo, velhos problemas

Artigo completo está disponível no 8º Anuário Seafood Brasil

22 de novembro de 2022

Por Ademilson Zamboni, oceanólogo e diretor-geral da Oceana Brasil
 
Os anuários trazem uma oportunidade para analisar a trajetória e o resultado das escolhas feitas pela administração pesqueira. Eles nos fazem refletir sobre os rumos a tomar para que a pesca se desenvolva em consonância com o equilíbrio socioambiental. Porém, infelizmente, há pouco para ser celebrado em termos de reformas estruturais – o setor segue carente de políticas públicas de qualidade.
 
Iniciamos nossa análise valorizando os esforços para o recadastramento dos pescadores. Há anos, esse setor convive com a falta de renovações das licenças, autorizações de pesca e do Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP), resultando em atuações baseadas somente em protocolos. A Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SAP/Mapa) buscou reverter o quadro, criando o “RGP 4.0” com uma ferramenta de recadastramento online. Infelizmente, não funcionou. 
 
Se o governo contasse com instâncias de participação social instaladas, teriam a chance de consultar o público-alvo do cadastramento. Os desafios de se fazer o recadastramento em um país do tamanho do Brasil, diverso no acesso às tecnologias, foram mal dimensionados. Muitos pescadores artesanais seguem ainda incapazes de se registrar formalmente na atividade pesqueira e sem acesso a seus direitos.
 
Há de se celebrar a manutenção de alguns avanços na gestão pesqueira tão duramente conquistados, como a adoção das cotas de captura para a pesca da tainha. A gestão por cotas não somente foi mantida desde seu estabelecimento em 2018, como os sistemas de controle foram aprimorados de modo a evitar fraudes e subnotificações das capturas.
 
Pode-se afirmar que a tainha segue sendo a única pescaria do Brasil gerida com base científica e com regras de controle anualmente revisadas. Essa conquista perdeu-se em transparência, com o ano de 2022 sendo o primeiro sem que houvesse um comitê formalmente instituído para acompanhar o andamento da safra da tainha.
 
Em outros campos, observamos uma estagnação que parece pouco incomodar agentes públicos e o setor pesqueiro - a Rede Pesca Brasil, criada por decreto em junho de 2021, ainda não se concretizou. Ou seja, a tão necessária retomada dos Comitês Permanentes de Gestão (CPG) ainda não saiu do papel. Já no início deste mês de setembro, a Secretaria publicou um calendário com “datas previstas” para as primeiras reuniões – que devem se iniciar entre outubro e abril de 2023, dependendo do foco de atuação do comitê.
 
O que isso tudo significa? Que passamos mais um ano sem discussões formais e transparentes sobre os rumos do ordenamento pesqueiro nacional. Na realidade, pouco se produziu em termos de ordenamento se olharmos para o País como um todo. Parece que não há força e interesse em tocar a complexa tarefa de administrar a pesca no Brasil.
 
A revisão da Instrução Normativa Interministerial MPA/MMA no 10/2011, base legal para o enquadramento das frotas pesqueiras marinhas do País dentro de modalidades de pesca (ou pescarias), segue parada. As várias reuniões, workshops e consultas por meio de formulários eletrônicos que ocorreram nos últimos quatro anos não geraram nenhum resultado prático. 
 
O monitoramento da pesca e a retomada da estatística (o que se pesca, onde se pesca, quem pesca) inexistem. Chega a ser cansativo, além de triste, repetir isso. Não há um modelo de coleta de dados e informações, minimamente, adequado e implantado no Brasil desde meados de 2010, comprometendo tanto a gestão da atividade como também a visibilidade da pesca como relevante atividade produtiva. 
 
Outro impasse que a administração pública parece desconsiderar refere-se às espécies de peixes e invertebrados aquáticos ameaçadas de extinção. Nada se produziu em termos de implementação das ações dos Planos de Recuperação, ou mesmo revisões desses instrumentos criados a duras penas em 2018.
 
O que se espera que ocorra? Que todos os recursos pesqueiros do País terminem em uma lista de espécies ameaçadas? Que mercados internacionais se fechem para os produtos brasileiros? Que pescarias colapsem por incapacidade de se equilibrar o uso e a conservação dos recursos? 
 
Não há na sociedade (nem no poder público) qualquer clareza acerca da atribuição por solucionar o “problema” das espécies listadas. Se, de um lado, a pasta da pesca pouco pode fazer pela gestão do recurso pesqueiro por este se tratar de fauna ameaçada sob tutela do Ministério do Meio Ambiente (MMA); de outro lado, a pasta ambiental encontra limitações para adotar medidas de conservação uma vez que não é de sua competência promover o ordenamento da pesca. Nesse jogo de empurra, todos perdem – meio ambiente e o setor pesqueiro.
 
A gestão da atividade depende, sobretudo, de estabilidade e continuidade. O ano de 2022, como todo pleito eleitoral, vem repleto de dúvidas e especulações acerca da continuidade ou de mudanças nas políticas públicas. Enquanto não entendermos que a pesca não deve ser política de governo, mas, sim, de Estado, o eterno acender e apagar das luzes persistirá. E isso não contribuirá em nada para a nossa economia, nem para o meio ambiente. 
 
É preciso que se ataque o problema em sua raiz: a estrutura administrativa para a pesca tem que estar estabelecida em Lei, e não em normas infralegais vulneráveis à conveniência política. Uma estrutura administrativa estável, com corpo técnico permanente, com sistemas de informação estruturados para dar suporte ao ordenamento, e com um conjunto de comitês que garantam a participação da sociedade nas tomadas de decisão. Sem essas mudanças, não há saída.
 
O artigo completo está disponível no 8º Anuário Seafood Brasil de Produtos, Serviços e Conteúdo, que pode ser lido gratuitamente clicando aqui.
 
Créditos: Divulgação/Oceana Brasil

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