Após uso para recuperação de queimaduras, pele de tilápia também tem finalidade ginecológica
08 de fevereiro de 2019
A mais nova experiência com a pele foi com a educadora Elisane Gusmão, 41 anos, do Vale de Jequitinhonha (MG), que teve destaque na mídia após passar por um procedimento cirúrgico de reconstrução do canal vaginal usando a pele do peixe.
O veículo digital Meio Norte informou que ela foi diagnosticada com câncer genital em 2009, desde então trava uma batalha pela vida. A história ganhou um novo capítulo no final do ano passado, quando foi realizada a cirurgia com a aplicação da pele do peixe na educadora - que já havia feito procedimentos de radioterapia e braquiterapia.
"É a primeira vez na história que se usa uma prótese de animal aquático em substituição à pele natural. Nesse caso específico nas mulheres pós radioterapia”, disse o professor de Medicina e cirurgião Leonardo Bezerra.
“Esse tratamento destrói os tecidos, gerando o fechamento completo do canal da vagina, então é uma reconstrução muito difícil de ser feita. A pele de tilápia funciona como um novo tecido, estimulando o crescimento de células novas e reconstruindo o canal vaginal", completou o cirurgião.
De acordo com o portal, os pesquisadores da UFC já utilizaram a membrana do peixe para ajudar pacientes nascidas com a síndrome de Rokitansky ou agenesia vaginal - quando a parte externa do órgão é normal, mas o canal interno é curto ou inexistente. Dez mulheres já teriam passado por cirurgia desta natureza na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac).
Pele na reconstrução pós-queimaduras
Em agosto de 2017, uma notícia do Jornal El País chamava atenção para a utilização da pele de tilápia na medicina nacional. Era a prova de que a pesquisa da UFC tinha aplicação prática. Segundo a publicação, um jovem teve grande parte do corpo queimado em um acidente envolvendo a explosão de um botijão de gás, e suas feridas foram cobertas com a pele do peixe. Após muitos dias, a pele da tilápia se transformou em uma espécie de couro se aderindo ao corpo do rapaz.
Em janeiro de 2017, o G1 divulgou que no hospital Instituto Doutor José Frota (IJF), em Fortaleza, já se fazia uso do método de tratamento de queimadura com pele do peixe em 56 pacientes. O tratamento com o "curativo biológico" já estava sendo aplicado em pessoas desde 2016, no núcleo de queimados da unidade.
Conforme divulgou o veículo, o tratamento está em desenvolvimento desde 2015 no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da UFC, que conta com uma equipe de pesquisadores do Ceará, Pernambuco e Goiás. Na época os pesquisadores disseram que o curativo com base em animais aquáticos era inédito no mundo.
Do rio para a medicina
Segundo a publicação da UFC, a pesquisa começou a ser realizada em 2014, e surgiu de uma ideia do cirurgião plástico paraibano Marcelo Borges.
Borges teve a ideia após ver uma notícia em novembro de 2011 segundo a qual que a pele da tilápia estava sendo usada para acessórios femininos. "Daí me veio a ideia de combinar a delicadeza e a resistência desse elemento em um tipo de curativo que pudesse ser utilizado nas queimaduras", contou.
Na fase pré-clínica (antes de ser aplicada em humanos), foram 12 etapas, desde a captação das espécies à detecção da proteína colágeno tipo 1 em grandes quantidades, até estudos que garantiam que não haveria contaminação de vírus.
Para a fase clínica - com humanos - o estudo apontou as vantagens do uso da pele da tilápia. "A pele da tilápia faz exatamente o que gostaríamos, que é aderir ao leito da ferida, bloqueando essa ferida do meio externo e, com isso, evitando contaminação, além de evitar perda de líquido", revelou o médico e coordenador da pesquisa, Edmar Maciel.
Em entrevista ao G1, Maciel explicou a eficiência do uso da pele do peixe. "Trata-se de um curativo biológico temporário com o objetivo de fechar a ferida evitando a contaminação de fora para dentro, a desidratação e as trocas diárias de curativos, que ocasionam desconforto e dor aos pacientes, e, em consequência, reduz os custos do tratamento". O procedimento era utilizado em queimaduras de 2º grau profundo e 3° grau.
Ainda de acordo com o portal, os pesquisadores informaram que os primeiros resultados do estudo mostravam que a pele de tilápia era propícia na utilização clínica. Considerando as semelhanças do material com a pele humana, como grau de umidade, alta qualidade de colágeno e resistência.
Na ocasião realizaram testes em animais terrestres e descartaram possíveis riscos de contaminação com a técnica. Conforme apurou o veículo, os estudiosos acreditavam que a pele do peixe oferecia uma melhor cicatrização se comparada aos métodos convencionais. O procedimento também reduziria a sensação de desconforto, dor, perda de líquido e ocorrência de infecção.
Em julho de 2017, o NPDM e o Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ) inauguraram o Banco de Pele Animal, primeiro do Brasil. Na época, houve captação de mil unidades de pele de tilápia e o equipamento foi resultado da terceira e última fase da pesquisa sobre o uso da pele da tilápia como curativo natural de queimados.
https://youtu.be/6NFGcmLQRoY
Imagem e vídeo: Banco de Pele Animal do NPDM, o primeiro do país em 2017 (Foto: Jr. Panela/UFC).
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